A tragédia que deixou até agora 121 mortos e 226 desaparecidos em Brumadinho, Minas Gerais, não resultará apenas em perdas bilionárias para a Vale. Deixou também sequelas na imagem de uma das empresas mais importantes do país. Pela segunda vez em pouco mais de três anos, a mineradora está o centro de um grave acidente. No fim 2015, o rompimento da barragem de Fundão, da sua controlada Samarco, deixou 19 mortos em Mariana, em Minas Gerais.

No mercado financeiro, os estragos estão sendo contabilizados. A companhia perdeu R$ 51 bilhões em valor de mercado desde 25 de janeiro, data do acidente, até a sexta-feira (1º), segundo a Economatica. As principais agências de classificação de risco já pioraram a sua avaliação sobre a empresa: a Fitch rebaixou a nota de crédito da companhia, enquanto a Moody’s e a Standard & Poor’s (S&P) colocaram o rating em observação negativa.

O impacto do acidente para a reputação da Vale, no entanto, ainda não foi totalmente mensurado. Na terça-feira, manifestantes foram até a sede da empresa no Rio de Janeiro para protestar contra o acidente. Indício de que o caminho para uma eventual recuperação será longo. Os analistas indicam basicamente dois rumos para a Vale seguir. Primeiro, será preciso adotar ações corretivas, ou seja, dar o tratamento adequado para as vítimas, além de buscar medidas que minimizem o impacto ambiental. Segundo, estipular e cumprir as ações para prevenir futuros acidentes.

“E dentro dessas duas ações a companhia tem de ter uma transparência muito grande na hora de comunicar as informações, como as companhias aéreas costumam fazer em casos de acidentes”, diz coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, David Kallás.

Depois do acidente, a Vale anunciou algumas medidas para tentar mitigar o impacto da crise na sua imagem. A companhia suspendeu o pagamento de dividendos e juros sobre o capital próprio (remuneração aos acionistas) e de remuneração variável (bônus) aos executivos da empresa e disse que vai eliminar barragens iguais às de Mariana e Brumadinho – são 10, segundo a empresa. Também se comprometeu a indenizar as famílias das vítimas.

“Uma eventual melhora vai depender de essas ações se concretizarem”, afirma Roseli Moreira Porto, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (Eaesp/FGV). “A empresa tem de trabalhar a reputação. Se ela for sólida, a recuperação é mais rápida porque já há uma base boa.”

Reestruturação

O golpe na imagem da Vale acontece pouco mais de um ano depois de a mineradora concluir uma reestruturação encampada pelo presidente da companhia, Fabio Schvartsman, para enquadrá-la no Novo Mercado, segmento da B3 que exige o maior nível de governança, e atrair mais investidores. À época, o executivo, que assumiu em maio de 2017 com o lema “Mariana nunca mais”, disse que o movimento sinalizava a entrada da mineradora em uma era de pagamento de grandes dividendos.

Na mudança, a Vale deixou de ter um bloco de controle e passou a ter capital pulverizado, o que foi considerado um marco na história da empresa, um afastamento do controle estatal e compromisso com a transparência.

Mesmo após acidente em Mariana – a companhia ainda é alvo de ações na Justiça – , a mineradora não deixou de pagar seus acionistas. Em 2016, a empresa distribuiu R$ 1,8 bilhão em dividendos na forma de juros sobre capital próprio.

Privatizada em 1997 e com cerca de 247 mil acionistas em todo o mundo, a Vale ganhou importância na economia conforme o minério de ferro avançou na pauta de exportação brasileira. O minério é o terceiro produto mais exportado pelo país, e a Vale é responsável por uma fatia que varia de 70% a 80% dos embarques, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

O aumento da relevância do minério de ferro nas exportações ocorreu na esteira do crescimento da China. No início dos anos 2000, a economia chinesa chegou a apresentar taxas de expansão superiores a 10%. Com essa aceleração, a demanda por produtos básicos do gigante asiático cresceu, e países produtores de soja e minério de ferro – como é o caso do Brasil – se beneficiaram.

Produção afetada e incerteza judicial

Ao todo, a Vale prevê gastar R$ 5 bilhões para fechar as 10 barragens que utilizam a mesma estrutura de Brumadinho – a mina era responsável por 2% da produção da companhia. Para dar conta desse processo, anunciou que vai reduzir em 40 milhões a produção anual de minério de ferro – o equivalente a 10% do volume projetado para 2019. Já a produção de pelotas deve cair em 10 milhões de toneladas.

“Com esse anúncio, a Vale mostrou de forma proativa um plano de reação de segurança para o público e as autoridades”, disse o analista-chefe da XP Investimentos, Karel Luketic.

Depois do anúncio do fechamento das barragens, as ações da companhia subiram 9%. Na véspera, no primeiro pregão na Bovespa após o acidente, as ações recuaram 24%, levando a companhia a perder R$ 71 bilhões em valor de mercado. Foi a maior perda da história do mercado de ações brasileiro, segundo a Economatica.

Em relatório a investidores, analistas do BTG avaliaram que a resposta da Vale foi rápida e disseram que o número de barragens iguais às de Brumadinho e Mariana é menor do que o esperado, assim como os R$ 5 bilhões estimados para eliminá-las. De acordo com o banco, metade da produção de minério de ferro da empresa está exposta a barragens de rejeitos (arriscadas ou não) e o mercado calculava investimentos de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões por ano (de R$ 3,6 bilhões a R$ 7,3 bilhões) para desativá-las.

O BTG acredita que a Vale voltará a remunerar os acionistas a partir de 2020.

A dúvida maior entre os investidores está no tamanho das multas e indenizações que a companhia terá de pagar por conta do acidente. A Justiça também já bloqueou R$ 12,6 bilhões da companhia.

Impacto nos preços do minério

A queda de produção da Vale por conta do desastre já mexeu também com os preços do minério de ferro no mercado internacional. Na sexta, a cotação na China atingiu a máxima em 22 meses, a US$ 92,46 a tonelada.”Vai ter um descompasso entre oferta e procura”, observa o analista Pedro Galdi, da corretora Mirae.

Segundo estimativa do Goldman Sachs, uma queda de 40 milhões de toneladas no volume exportado elevaria o preço do minério de ferro a US$ 95 por tonelada no primeiro trimestre deste ano. O banco, porém, lembra que a capacidade total da Vale é de 450 milhões toneladas e que a empresa pode compensar as perdas. A produção estimada para este ano é de 400 milhões de toneladas. O cálculo estima uma queda de 10 a 15 milhões de toneladas.

Para o Goldman, o impacto da queda na produção de pelotas é mais “dramático”, já que a perda de 11 milhões de toneladas corresponderia a 10% da oferta exportada. Dado o alto custo e tempo elevado para expandir a capacidade de extrair esse material, o banco acredita que os preços podem chegar a US$ 90 por tonelada.

“Embora o efeito econômico direto do desastre seja limitado, (…) esperamos que o desastre aumente as responsabilidades ambientais, administrativas, criminais e civis, além do sério risco reputacional para a maior produtora global de minério de ferro”, escreveu a agência de classificação de risco Moody’s em relatório.

De janeiro a setembro de 2018, a Vale teve um lucro líquido atribuído aos acionistas de R$ 11,1 bilhões. O balanço do último trimestre do ano foi adiado e só será divulgado em 27 de março.

Fonte: G1

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