O Congresso norte-americano deve intensificar nos próximos dias os pedidos de informações, inclusive ainda mantidas sob sigilo, sobre a origem do coronavírus, aumentando a pressão internacional sobre o tema. A hipótese de que o vírus tenha se espalhado a partir de um laboratório na cidade de Wuhan, na China, é principal foco dos questionamentos de autoridades, especialistas e instituições, que tem cobrado investigações mais técnicas e aprofundadas. A justificativa, além de esclarecer a causa da pandemia, é também no sentido de fortalecer as medidas de prevenção para o caso de uma nova pandemia.

Na última semana, congressistas republicanos solicitaram ao Secretário de Estado Antony Blinken, um dos principais nomes da gestão do presidente Joe Biden, a quebra de sigilo de documentos que podem ajudar a esclarecer a origem do vírus, que já dizimou – e continua matando diariamente – mais de 3,3 milhões pessoas em todo o mundo, desde 2020. “Como líderes do Comitê do Congresso com jurisdição sobre saúde pública, apoiamos fortemente uma investigação abrangente sobre as origens da pandemia da COVID-19, incluindo a possibilidade de uma fuga acidental de laboratório”, afirma o documento, assinado pela deputada Cathy McMorris Rogers, da Comissão de Energia e Comércio da Câmara e pelos pelos deputados Brett Guthrie e Morgan Griffith, dos subcomitês da Câmara de Saúde e de Investigação, respectivamente.

Imprensa internacional debate a origem do novo coronavírus

No documento, é cobrada a liberação pública de documentos confidenciais com informações prestadas pelo Instituto de Virologia de Wuhan (IVW), que teria incluindo experiências em animais de laboratório. “A ficha informativa, divulgada durante a administração Trump, afirma que o instituto colaborou em projetos secretos com os militares chineses, e afirma que apesar do IVW se apresentar como instituição civil, os Estados Unidos determinaram que o instituto tem colaborado em projetos secretos dos militares chineses desde 2017″, afirma a deputada no ofício, assinado pelos deputados Brett Guthrie e Morgan Griffith, dos subcomitês da Câmara de Saúde e de Investigação, respectivamente.

O assunto foi tema de reportagem da Fox News e demonstra a abordagem sobre a hipótese de que o coronavírus tenha se espalhado de forma acidental de um laboratório do Instituto de Virologia de Wuhan – e não após contato entre animais infectados e humanos num mercado da mesma cidade chinesa, como acabou sendo a tese mais conhecida e difundida da origem da pandemia.

Os jornais americanos também publicaram trechos de ofício do deputado Mike Gallagher, endereçada ao diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID), a agência governamental do departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. “Compreender a causa desta pandemia – e assegurar que algo como isto nunca mais aconteça – é a questão mais importante que o mundo enfrenta atualmente. Tendo em conta o que está em jogo, não podemos dar-nos ao luxo de nos contentarmos com uma compreensão limitada, de olhos vendados, ou com uma visão politizada sobre a origem desta terrível doença”, destaca o congressista americano.

De acordo com artigo publicado no jornal Washington Post, um dos principais e mais renomados veículos de imprensa dos Estados Unidos, as autoridades americanas e mundiais de saúde não podem ter qualquer razão ou desculpa para ignorar os questionamentos que serão levantados pelo Congresso americano. Segundo Josh Rogin, que assina o artigo, “a questão da origem – e especialmente a teoria do acidente de laboratório – ter sido politizada é uma tragédia. Mas agora, ambas as partes (republicanos e democratas, partidos rivais nos Estados Unidos) têm a responsabilidade de colocar a política de lado e trabalhar em conjunto para pressionar os governos de Washington (Estados Unidos) e Pequim (China) a revelarem tudo o que sabem. Quanto mais longo for o atraso, mais difícil será resolver o quebra-cabeça”, afirma Rogin, no Washington Post.

O jornal destaca ainda que “por diversas razões, não se realizou qualquer investigação com credibilidade sobre as origens do coronavírus, que continua a assolar o mundo”. O texto diz ainda que “Pequim passou mais de um ano encobrindo a origem e agiu para punir qualquer país que se atrevesse a exigir uma investigação independente. As autoridades chinesas minaram de tal forma a investigação da OMS (Organização Mundial de Saúde) que até o Diretor-Geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, admitiu que sua equipe não investigou devidamente a possibilidade da origem do vírus ser causada por um acidente de laboratório e que era necessário mais investigações”, relata a publicação.

Diretor da OMS pediu novas investigações sobre origem do vírus, diz imprensa americana

O The Wall Street Journal, também dos mais importantes dos Estados Unidos, destacou em reportagem que a China, ao ser questionada pela Organização Mundial de Saúde, sugeriu que a agência desviasse o foco para outros países. No início deste ano, uma equipe da OMS chegou a visitar a China para investigar as origens da pandemia e, em relatório, chegou a concluir que era “extremamente improvável” que o vírus tivesse escapado de um laboratório chinês. O relatório recomendou ainda que não se estudasse mais essa possibilidade.

Tedros Adhanom é diretor-geral da OMS [Organização Mundial da Saúde] (Fabrice Coffrini- Reuters – arquivo O Liberal)
No entanto, segundo o Wall Street Journal, o diretor geral da OMS disse pouco antes da publicação do relatório que a avaliação da equipe sobre a potencial fuga do vírus de um laboratório chinês não tinha sido “suficientemente extensa” e que “era necessária mais investigação, acrescentando que “estava pronto a destacar mais especialistas para estudar essa possibilidade”, afirma o jornal americano.

Para o diplomata americano Craig Singleton e Mark Dubowitz, da Fundação para a Defesa das Democracias, as origens da Covid-19 continuam desconhecidas e a responsabilização da China e da OMS sobre essa investigação deve ser reforçada. De acordo com artigo publicado no site da NBC, persistem questões significativas sem resposta e o relatório da OMS que descartou a hipótese do vírus ter se espalhado de um laboratório é falho. “Os Estados Unidos também têm responsabilidade pela incapacidade da OMS em responder a perguntas básicas sobre o Covid-19, notadamente porque Washington doou milhares de milhões de dólares dos contribuintes ao organismo de saúde global sem exigir qualquer responsabilidade em troca. Isto tem de acabar”, argumentam os autores.

De acordo com o artigo, “o problema é que nem a OMS nem as Nações Unidas, das quais faz parte, têm quaisquer meios legais para fazer cumprir estes regulamentos de saúde. Nem a OMS pode impor sanções aos países desonestos que desafiam estes regulamentos, como fez a China quando se recusou a fornecer dados sobre vírus aos investigadores da OMS”, afirmam os autores.

Outro grupo de mídia, Politico, abordou o tema e destacou que em 2018, diplomatas americanos alertaram o governo dos Estados Unidos para experiências de risco em um laboratório em Wuhan, mas que “ninguém foi ouvido”. Na reportagem, o jornal revela que “para alguns funcionários do governo (americano), o nome do laboratório (chinês) era familiar. A sua investigação sobre vírus de morcegos já tinha chamado a atenção dos diplomatas e funcionários americanos na Embaixada de Pequim em 2017, levando-os a alertar Washington de que os próprios cientistas do laboratório tinham relatado uma séria escassez de técnicos e investigadores devidamente formados, necessários para operar com segurança este laboratório de alta contenção. Mas os seus avisos para Washington foram ignorados”, destaca a reportagem.

No Brasil, Congresso Nacional tem investigado aplicação de recursos na pandemia

No Brasil, o foco do Congresso Nacional tem sido investigar os efeitos da pandemia, as mais de 400 mil mortes e a aplicação de recursos públicos para a prevenção e enfrentamento da pandemia. Bem diferente do Congresso americano, por exemplo, que está buscando investigar a causa da pandemia.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, criada para apurar aplicação de recursos públicos durante a pandemia, torna-se a cada dia mais palco de disputas políticas e troca de ofensas do que ambiente para investigação mais técnica.

Na última semana, a hipótese de que o vírus pode ter sido espalhado a partir de um laboratório na China ganhou destaque com uma declaração do presidente Jair Bolsonaro, que não chegou a citar diretamente o país asiático. “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu por algum ser humano ingerir um animal inadequado. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, disse Bolsonaro.

“Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês. Que que está acontecendo com o mundo todo, o seu povo, com sua gente, com nosso Brasil?”, complementou e também afirmou que tem dúvidas sobre a real origem do coronavírus.

A declaração foi criticada, pois poderia gerar impactos nas relações comerciais do Brasil com a China, principal cliente do país. A presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, senadora Kátia Abreu (PP-TO), chegou a dizer que “nem dormiu direito”, temendo uma retaliação do governo chinês, por conta da relação comercial com o Brasil e o país asiático.

“Eu não dormi bem esta noite muito preocupada com as consequências de uma acusação tão grave como a que foi feita”, disse. A senadora destacou que a declaração de Bolsonaro deixou o setor produtivo preocupado. “Quando eu abri o celular, havia milhares de mensagens do agronegócio brasileiro, apavorado com as declarações, preocupadíssimo com essas declarações, com medo de alguma retaliação por parte da China, não só com relação ao comércio, que, ao fim e ao cabo, é ruim, mas a retaliação com relação às vacinas”, disse Kátia Abreu, lembrando que o laboratório chinês Sinovac fornece o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para a produção da Coronavac, pelo Instituto Butantan, de São Paulo.

Outro lado

A Redação Integrada de O Liberal entrou em contato com a Embaixada da China no Brasil, em Brasília, para obter um posicionamento oficial do Governo da China sobre os questionamentos e suspeitas levantadas pela imprensa e autoridades internacionais, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição. O presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz (PSD-AM) também foi procurado para responder sobre os rumos que a comissão pode tomar e se o debate internacional sobre a origem do vírus também, será um dos focos dos trabalhos, mas não retornou as tentativas de contato.

 

 

 

 

Fonte: ORM

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