Viúvas de PMs mortos em serviço no Pará estão esperando por até cinco meses para que pensões sejam liberados pelo Estado. Para muitas dessas famílias, a situação faz com que se sintam vitimadas duas vezes.

Além da dor das perdas recentes, a burocracia tem tornado essas experiências de luto um martírio diário.

A redação reuniu relatos colhidos em mais de uma semana de apuração, com pelo menos seis viúvas de PMs mortos este ano.

Três delas concordaram em relatar com exclusividade seus dramas familiares, à sombra da espera das respostas a seus pedidos de pensão, analisados pelo Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará (Igeprev). Para elas, essa espera também é uma violência, uma vez que também deixa à míngua famílias que já não contam com grandes recursos e perderam, em muitos casos, boa parte da renda que vinha de seus principais provedores: eram soldados, cabos e sargentos mortos a serviço da segurança pública, e cujas mulheres e filhos agora vivem em dificuldades por motivos diversos.

“Eu não aceito isso. Já cansei.

Eu precisava falar com alguém.

Meu esposo morreu em serviço. Era uma pessoa que nunca faltou ao trabalho, nunca fez mal a ninguém. E que trabalhou muito para deixar a família amparada. Hoje são várias esposas precisando da pensão. Temos um grupo para nos apoiar umas nas outras, porque somos humilhadas por processos que duram meses”, revolta-se S.S, 51, viúva do 2º sargento da PM Reginaldo Silva Souza, 52, assassinado a tiros na noite do dia 1º de março de 2018, enquanto trabalhava em plantão policial na Praça de Marituba. “Vou quase todas as semanas ao Igeprev, desde abril. É sempre a mesma coisa.

As informações são poucas e o processo sempre está em análise.

Eu não tenho mais dinheiro BUROCRACIA Tempo de tramitação chega a cinco meses de angústias e dificuldade financeira Mulheres criaram grupo de apoio mútuo enquanto a situação não é resolvida para ir lá. Tenho que ir de carona.

Estou pedindo doações de amigos para comer”, lamenta a esposa do policial. Além dela, o sargento Souza deixou dois filhos, uma estudante de 18 e um universitário de 21 anos.

Neste sábado (1/9), se completaram seis meses da morte do cabo Souza. Na véspera, essa sexta-feira, a viúva do militar recebeu notícias de despejo da casa onde mora de aluguel, em Marituba. A luz e água já haviam sido cortadas. Móveis e eletrodomésticos foram vendidos para tentar manter as contas. A geladeira restou, mas sempre está vazia.

A viúva entrou com seu primeiro pedido de pensão em abril passado. Após várias idas e vindas, juntou documentos necessários aos pedaços, e em vários protocolos, a impressão é de descaso e falta de orientação no atendimento aos que precisam do benefício. Em uma de suas últimas idas ao Igeprev, finalmente conseguiu juntar uma certidão de união estável emitida pela PM – que provava, mais uma vez, seus mais de 20 anos de casamento.

O salário que ainda recebe do marido, enquanto aguarda a pensão – uma formalidade garantida pela legislação estadual a viúvas de PMs -, é totalmente corroído por dívidas anteriores adquiridas pela família junto ao banco onde o marido recebia seus vencimentos. “Resolveram manter os descontos consignados, que ultrapassam os limites previstos de 30% de rendimentos.

Não temos mais nada e precisamos muito da pensão, e não sai. Hoje tive que roçar um terreno aqui perto de casa para conseguir algum dinheiro.

Meus filhos estão passando fome. Nós nunca imaginamos passar por essa situação. Eu não acredito. Porque parece que esqueceram o nome de meu esposo.

Esqueceram o nome do sargento Souza, que tanto fez pelo Pará. Se sua família está assim, é porque esqueceram dele, e isso é horrível. Não quero que seu nome seja esquecido, que nós sejamos esquecidos”, chora a viúva.

Segundo informou esta sexta o Igeprev, procurado pelo portal, o caso da esposa do cabo Souza, que se mantinha em análise por esses cinco meses, finalmente chegou a uma conclusão positiva esta semana, e terá uma solução em outubro, quando a pensão requerida passará finalmente a integrar a folha de pensionistas do Igeprev.

DO INÍCIO Quando o cabo da PM Silney Ferreira Mendonça, 33, foi assassinado no Guamá, no dia 16 de junho deste ano, sua caçula havia acabado de completar 24 dias. O cabo Silney foi morto simplesmente por ter sido reconhecido como policial militar, enquanto aguardava parado em sua moto. Ele se abrigava de uma forte chuva de final da tarde. Levaram sua arma. Sua menina hoje tem 3 meses. Além dela, o policial ainda deixou dois outros meninos, de 11 e 4 anos.

“Ele era um excelente pai, um ótimo esposo e um bom filho.

E é difícil falar disso tudo porque dói muito e é recente.

Mas eu não queria que isso não virasse mais uma estatística.

Isso tem que mudar. Morrem os policiais e nada é feito, nem para suas famílias”, queixa-se a viúva S.V. M., de 31 anos. “Eu sei da burocracia que é enfrentar o Igeprev. Já conversei com várias outras esposas. Temos um grupo. E eu estou só no começo, reunindo minha documentação no comando geral da PM. Por isso estou aqui, falando sobre isso. É preciso falar”.

Quatro meses de espera pelo menos: essa é previsão dada essa semana pelo Igeprev à viúva C.P.S.S, 31, para que possa começar a esperar pela pensão que é seu direito pelo assassinato do cabo da PM Richard Farias de Souza, 46, com quem era casada há 15 anos.

A esposa passou meses juntando documentos para iniciar o protocolo de pedido pelo benefício.

Apesar de ainda receber os vencimentos do policial, a situação da família é dramática.

A mãe e três filhas pequenas, de 3, 9 e 13 anos, tiveram que se mudar para um barraco de um cômodo enquanto tenta recuperar sua antiga casa, de onde foi despejada no meio da noite.

Para elas, cada dia perdido para a burocracia conta muito.

“Tínhamos muitas dívidas com empréstimos consignados, e esse mês só veio R$ 200 para passar todo o mês, e eu ainda preciso comprar gás. Não sobrará nada. Não dá. Por isso a pensão é tão importante”, pondera a viúva. Ela pondera sobre o emaranhado de papéis hoje exigidos às companheiras dos policiais militares quando é preciso pedir seus direitos a benefícios. “Eu acho um absurdo que ainda haja tanta burocracia.

Não deveriam exigir tantos documentos de esposas que já passam por uma situação econômica e emocional muito difícil, de luto. Se ainda fosse rápido, seria bom. Mas além disso tudo, ainda demora demais para que se consiga ter acesso a um direito que é seu, que foi garantido pelo trabalho de seu marido, por algo que esses policiais deixaram para dar garantias a suas famílias”.

O cabo Richard de Farias assassinado ao tentar deter um assalto dentro de uma van na rodovia 40 horas, em Ananindeua, em 10 de janeiro deste ano. Ele tinha 23 anos a serviço da PM e sua morte foi considerada para a corporação um ato heroico, uma vez que morreu para tentar deter criminosos, embora estivesse em dia de folga.

 

 

Fonte (Portal ORM)

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